Sexta Turma afasta in dubio pro societate na pronúncia e cassa decisão que submeteu acusado ao tribunal do júri - STJ:
Por entender que a sentença de pronúncia exige a
demonstração de alta probabilidade de envolvimento do réu no crime, a Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou o preceito in dubio pro societate e cassou a decisão que havia mandado a júri
popular um homem acusado de participação em homicídio no Distrito Federal.
O colegiado superou a compreensão
doutrinária – acolhida durante muito tempo pela jurisprudência – de que, diante
da desnecessidade de prova cabal de autoria para a pronúncia do
acusado, esse momento processual deveria ser regido pelo preceito in dubio pro societate.
De acordo com os autos, dois homens
contrataram um motorista para levá-los ao local onde mataram uma pessoa. No
processo, não surgiu nenhuma evidência de que o motorista conhecesse
previamente os autores do crime ou a vítima, nem de que ele soubesse da
intenção criminosa de seus passageiros. Houve prova, sim, de que o motorista
fazia serviços de transporte habitualmente.
Mesmo assim, ele foi denunciado e
pronunciado. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
(TJDFT), ao manter a pronúncia com base no
preceito in dubio pro societate,
considerou indiscutível o fato de o réu ter dirigido o carro, havendo dúvida
apenas quanto a ele ter ou não conhecimento de
que os passageiros pretendiam cometer o crime – dúvida que, para a corte local,
deveria ser dirimida pelo júri popular.
Exigência de prova deve ser maior para
decisões mais graves
O relator do caso no STJ, ministro
Rogerio Schietti Cruz, afirmou que os requisitos necessários à submissão de um
acusado ao tribunal do júri devem ser analisados sob a perspectiva dos standards probatórios
(grau de confirmação que um fato precisa ter, a partir das provas, para
justificar uma decisão).
Para o ministro, os standards probatórios
devem ser progressivos, exigindo-se maior grau de confirmação sobre os fatos à
medida que a decisão a ser tomada pelo julgador tenha consequências mais graves
para o acusado. "É preciso levar em conta a gravidade do erro que pode
decorrer de cada tipo de decisão", comentou, apontando que a abertura de
uma investigação, por exemplo, é menos grave para o indivíduo do que o
recebimento da denúncia.
Já a pronúncia –
penúltima etapa antes de eventual condenação – é, segundo Schietti, uma
"medida consideravelmente danosa para o acusado", pois ele será
julgado por jurados leigos que não precisam fundamentar suas decisões. Por isso,
na pronúncia, "o standard deve
ser razoavelmente elevado, e o risco de erro deve ser suportado mais pela
acusação do que pela defesa, ainda que não se exija um juízo de total certeza
para submeter o réu ao tribunal do júri".
Segundo o ministro, "não pode o
juiz, na pronúncia, 'lavar as
mãos' – tal qual Pôncio Pilatos – e invocar o in dubio pro societate como
escusa para eximir-se de sua responsabilidade de filtrar adequadamente a
causa, submetendo ao tribunal popular acusações não fundadas em indícios sólidos
e robustos de autoria delitiva".
Dúvida sobre autoria é diferente de
dúvida sobre indícios de autoria
Schietti avaliou que, no caso em
julgamento, a pronúncia ocorreu sem que
houvesse nenhum indício robusto para demonstrar com elevada probabilidade a
hipótese de participação consciente do motorista no crime.
Para o relator, é necessário distinguir a
dúvida sobre a autoria de um crime – a qual, se presentes indícios suficientes,
deve ser dirimida pelo conselho de sentença –
da dúvida quanto à própria existência de indícios suficientes de autoria,
"que deve ser resolvida em favor do réu pelo magistrado na fase de pronúncia",
em decorrência do in dubio pro reo.
"O fato de não se exigir um juízo de
certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da
máxima in dubio pro societate –
que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro – e admitir que toda e
qualquer dúvida autorize uma pronúncia", concluiu.
Leia o acórdão no REsp 2.091.647.
Fonte: STJ.
RODRIGO ROSA ADVOCACIA
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