Atribuir culpa a terceiro no interrogatório não permite aumentar pena-base do réu:
A Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que o fato de o acusado mentir durante
o interrogatório policial, atribuindo falsamente o crime a outra pessoa, não é
motivo para que a culpabilidade seja valorada negativamente no cálculo da pena.
Segundo o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, o interrogatório não
pode ser usado retroativamente para incrementar o juízo de reprovabilidade de
um crime cometido no passado.
O réu foi condenado por tráfico de drogas
a cinco anos e dez meses de reclusão. Ao
fixar a pena-base, as instâncias ordinárias valoraram de forma negativa a
culpabilidade, pois, na tentativa de se defender, ele alegou que as drogas
encontradas em sua casa teriam sido colocadas ali por seu vizinho.
No habeas corpus impetrado
no STJ, a defesa sustentou que o fundamento usado para valorar negativamente a
culpabilidade do acusado não é idôneo, razão pela qual requereu o
redimensionamento da pena.
Negativa do terceiro não é suficiente
para responsabilizar penalmente o réu
O relator observou que existe uma
tolerância jurídica – não absoluta – em relação ao falseamento da verdade pelo
réu, sobretudo em virtude da ausência de criminalização do perjúrio no Brasil.
De acordo com o ministro, em algumas situações, a própria lei atribui
relevância penal à mentira; no entanto, ainda que o falseamento da verdade
possa, eventualmente, justificar a responsabilização do réu por crime autônomo,
isso não significa que essa prática no interrogatório autorize o aumento da
pena-base.
O ministro também ressaltou que o fato de
o vizinho haver negado as afirmações do acusado não permite concluir que aquela
versão fosse falsa, até porque, se houvesse confirmado tais fatos, ele teria
admitido a prática de crime. Segundo Schietti, se a negativa do vizinho
enfraquece a versão apresentada em autodefesa pelo réu, ela "não é
suficiente para responsabilizá-lo penalmente pelo que disse no
interrogatório".
Do contrário – apontou –, toda vez que
qualquer acusado alegasse haver sofrido algum tipo de abuso policial e a
prática desse abuso fosse negada pelo respectivo agente de segurança, isso
bastaria para incrementar a pena do réu ou mesmo fazê-lo responder por crime
autônomo.
Pena deve ser avaliada com base em
elementos existentes até o momento do crime
Schietti ponderou que a avaliação sobre a
sanção penal cabível deve ser realizada, em regra, com base somente nos
elementos existentes até o momento da prática do crime imputado, ressalvados o
exame das consequências do delito e o superveniente trânsito em julgado de
condenação por fato praticado no passado.
Para o relator, a análise de situações
capazes de legitimar o aumento da sanção penal não pode depender de eventos
futuros, incertos e não decorrentes diretamente do fato imputado na denúncia.
"O que deve ser avaliado é se, ao
praticar o fato criminoso imputado, a culpabilidade do réu foi exacerbada ou
se, até aquele momento, ele demonstrava personalidade desvirtuada ou conduta
social inadequada", disse o ministro. Segundo ele, tais circunstâncias não
podem ser aferidas com base em fato diverso que só veio a ocorrer no futuro. No
caso em julgamento, o crime foi praticado em maio de 2013, e o interrogatório
do réu ocorreu em agosto de 2019, mais de seis anos depois.
Fonte: STJ.
RODRIGO ROSA ADVOCACIA
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