EM DECISÃO COLEGIADA INÉDITA, STJ MANDA CONTAR EM DOBRO TODO O PERÍODO DE PENA CUMPRIDO EM SITUAÇÃO DEGRADANTE:
A Quinta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso do Ministério Público do Rio
de Janeiro (MPRJ) e confirmou decisão monocrática do ministro Reynaldo
Soares da Fonseca, que concedeu, em maio deste ano, habeas corpus para que seja
contado em dobro todo o período em que um homem esteve preso no Instituto Penal
Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Penitenciário de Bangu, localizado na Zona
Oeste do Rio de Janeiro.
Esta é a primeira vez
que uma Turma criminal do STJ aplica o Princípio da Fraternidade para decidir
pelo cômputo da pena de maneira mais benéfica ao condenado que é mantido preso
em local degradante. A decisão caracteriza um importante precedente possível de
ser aplicado para a resolução de situações semelhantes.
A unidade prisional
objeto do recurso sofreu diversas inspeções realizadas pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a partir de
denúncia feita pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre a situação
degradante e desumana em que os presos se encontravam. Essas inspeções
culminaram na edição da Resolução CIDH de 22 de novembro de
2018, que proibiu o ingresso de novos presos na unidade e
determinou o cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade cumprido no
local – salvo para os casos de crimes contra a vida ou a integridade física, e
de crimes sexuais.
O Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro (TJRJ) aplicou a contagem em dobro apenas para o período de
cumprimento de pena posterior à data em que o Brasil foi notificado formalmente
da resolução da CIDH, porque a resolução não faz referência expressa ao termo
inicial da determinação.
Após a decisão liminar
do ministro Reynaldo, o MPRJ recorreu para que esse entendimento fosse
restabelecido, sob o argumento de que a decisão da CIDH teria a natureza de
medida cautelar provisória, motivo que impediria a produção de efeitos
retroativos. Ele sustentou essa tese no fato de a resolução mencionada
estabelecer prazos para o seu cumprimento.
Eficácia vinculante da decisão da CIDH
Ao julgar o caso na
Quinta Turma, o relator lembrou que, a partir do Decreto 4.463/2002,
o Brasil reconheceu a competência da CIDH em todos os casos relativos à
interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
aprovada em 1969. Sendo assim, as sentenças da CIDH são vinculantes para as
partes processuais. "Todos os órgãos e poderes internos do país
encontram-se obrigados a cumprir a sentença", declarou.
Reynaldo Soares da
Fonseca ponderou que, ao aplicarem a resolução apenas a partir da notificação
oficial feita ao Brasil, as instâncias anteriores deixaram de cumpri-la, pois
as más condições do presídio, que motivaram a determinação da CIDH, já existiam
antes de sua publicação.
No voto, o relator
registrou que o MPRJ sustenta a natureza cautelar da medida, que limita os
efeitos das obrigações decorrentes da resolução da CIDH para o futuro, mas
aponta "para a necessidade de celeridade na adoção dos meios de seu
cumprimento, tendo em vista, inclusive, a gravidade constatada das
peculiaridades do caso".
Interpretação mais favorável a quem teve direitos violados
Ele destacou que, por
princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos, é permitido ao
Estado-parte ampliar a proteção conferida por elas. Assim – concluiu –, as
sentenças da CIDH devem ser interpretadas da maneira mais favorável possível
para quem teve seus direitos violados.
Além disso, o relator
ressaltou que as autoridades locais devem observar os efeitos das disposições
da sentença internacional e adequar sua estrutura interna "para garantir o
cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional",
no intuito de diminuir violações e abreviar as demandas internacionais.
Princípio da Fraternidade
Durante o julgamento na
Quinta Turma, os demais ministros do colegiado destacaram o caráter histórico
da decisão. O ministro Ribeiro Dantas ressaltou "a importância e a
profundidade do voto", e afirmou ter certeza de que se tornará um acórdão
de referência no tratamento desses temas.
O ministro Joel Ilan
Paciornik afirmou que, "numa hipótese onde se detecta flagrante violação a
direitos humanos pelas condições degradantes e desumanas existentes em
determinados estabelecimentos prisionais, a invocação do Princípio da
Fraternidade é extremamente procedente".
Por fim, o ministro João
Otávio de Noronha observou que o voto "consagra um princípio já agasalhado
na Constituição Federal [o Princípio da Fraternidade], em que os direitos e
garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte", afirmou.
Com a decisão unânime da
Quinta Turma, o STJ fixou a contagem em dobro para todo o período. Segundo a
defesa, o condenado poderá alcançar o tempo necessário para a progressão de
regime e o livramento condicional. Essa análise caberá à justiça do Rio de
Janeiro.
Processo relacionado: RHC 136961
Fonte: STJ.
RODRIGO ROSA ADVOCACIA
Contato (51) 99656.6798 (WhatsApp)
Comentários
Postar um comentário